segunda-feira, 5 de abril de 2010

Sucesso

Golpe de sorte ou a primeira lei do sucesso


Espelho, espelho meu, quem é o mais bem sucedido dos bem sucedidos? Maria Bartiromo, jornalista americana especializada na área financeira e pivot de televisão, deu à estampa um novo livro e brinda-nos, logo na primeira página, com uma reflexão interrogativa: “Maria, és uma pessoa bem sucedida?”.

A resposta ocupa 293 páginas, ao longo das quais ‘Money Honey' - alcunha pela qual é conhecida e que tanto faz referência à sua elegância como ao dom natural para fazer dinheiro - analisa e reflecte sobre a sua vida e a das pessoas famosas que entrevistou para a escrita do seu novo livro, "The 10 Laws of Enduring Success".

Um destes dias experimentei a mesma fórmula. Olhei-me no espelho enquanto lavava os dentes e perguntei em voz alta: "Lucy, és uma mulher bem sucedida?". Tive alguma dificuldade em concentrar-me na pergunta porque o meu olhar insistia em analisar a raiz dos cabelos. Até quando vou suportar isto sem ir ao cabeleireiro? Após este breve parêntesis focalizei-me na pergunta e cheguei a algumas conclusões deveras simples, que posso resumir numa centena de palavras.

Antes de mais, a pergunta não está bem formulada. Perguntar se somos bem sucedidos é tão contraproducente como perguntar se somos felizes ou se a vida tem algum sentido. Se a resposta for "não" ficaremos deprimidos, mas se a resposta for "sim", a sensação de complacência e arrogância que nos vai assaltar será também prenúncio de sofrimento ou fracasso no curto prazo. As raras vezes que me senti uma mulher bem sucedida deitei tudo a perder no minuto seguinte.

As pessoas verdadeiramente bem sucedidas que tive a oportunidade de conhecer fogem sempre ao assunto. São bem sucedidas, mas também são paranóicas. Ou vivem cheias de medo de perderem o sucesso alcançado ou num estado de permanente insatisfação ansiando por mais.

Dediquei alguns instantes a pensar nessas pessoas bem sucedidas e a ponderar sobre quais seriam as suas "leis do sucesso". Antes de acabar de lavar os dentes já tinha a lista completa. Bem, importa dizer que nela constam apenas duas "leis". A primeira, e a mais importante, dá pelo nome de sorte, apesar de raramente ser contemplada nos livros de automotivação e crescimento pessoal e profissional. Só uma pessoa que alcança um êxito tremendo como Warren Buffet poderá admitir que o melhor que lhe aconteceu na vida foi nascer homem e caucasiano nos EUA naquele dado momento da História. A maioria das pessoas teve um golpe de sorte quando nasceu e mais uns quantos ao longo da vida, mas nada de grande importância.

A segunda lei é aquilo a que chamamos ambição. Todas as pessoas que conheço e que são bem sucedidas na área da gestão desejaram ter êxito. Praticamente tudo decorre deste desejo desmedido, do trabalho árduo à determinação passando pela falta de compaixão. Ocorre-me, no entanto, outra "característica" imprescindível em certas áreas da gestão: feições bonitas e elegantes. Se for um gestor anglo-saxónico até pode dar-se ao luxo de ser feio, mas se for uma empresária, isto é, mulher, e quiser vingar na televisão, a beleza é essencial.

E pronto, agora já sabem quais são as minhas duas leis e meio do sucesso. Como se pode ver, Maria é muito mais ambiciosa do que eu. Se assim não fosse não se tinha empenhado em chegar às dez leis do sucesso, apesar de algumas serem perfeitamente inúteis.

O auto-conhecimento é a primeira lei que a autora invoca. Pergunto-me o que lhe terá passado pela cabeça. As pessoas com uma dose elevada de automotivação estão cientes da sua fragilidade e falibilidade, facto que as priva da confiança inabalável de que necessitam para serem bem sucedidas. Depois, decreta a integridade como característica essencial para o sucesso. Seria fantástico, sem dúvida, mas como a realidade está longe de ser assim nem vale a pena discutir esta questão.

O mais desconcertante, porém, é dizer que não há sucesso sem humildade. Os leitores britânicos sabem muito bem que só a falsa humildade compensa, uma vez que somos todos dados à auto-desaprovação. Ser genuinamente humilde não leva a lado nenhum. Em todo o caso, não é uma lei que ‘Money Honey' aplique a si própria. Basta ver a forma como o seu nome vem grafado na capa do livro: "Maria Bartiromo", em letras garrafais, brilhantes e em relevo. O nome do ‘ghost-writer', pelo contrário, foi impresso em letras minúscula e num tom baço e neutro.

Há outra "coisa" que também não figura na minha lista de duas leis e meia nem na lista de Maria: competência. É importante, claro, mas deixei-a de fora por ser bastante comum. Vendo bem, há mais pessoas competentes por esse mundo fora do que lugares de topo nas empresas.

Durante a escrita desta crónica ocorreu-me outra lei do sucesso: ser capaz de dizer uma coisa óbvia levando os outros a pensar que é um exercício de sensatez. Curiosamente, os gestores sénior passam o tempo a fazer isso sem o mínimo esforço. Ora, o que acima referi sobre a sorte e a ambição é gritantemente óbvio, mas se o leitor ficar com a ideia de que é uma observação sensata poderei ir descansada ao cabeleireiro e sentir-me uma mulher bem sucedida.


De: Lucy Kellaway,
 Exclusivo Financial Times

Tradução de: Ana Pina,
 economico.sapo.pt

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